EMENTA: PARECER JURÍDICO ACERCA DA VALIDADE DAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO MESMO DEPOIS DE EXPIRADO O PRAZO DE VIGÊNCIA DESTAS, APÓS A FAMIGERADA REFORMA TRABALHISTA.
- Introdução.
O SINTETI nos solicita emissão de parecer jurídico sobre aditivo ao contrato de trabalho que algumas empresas da categoria econômica estariam obrigando seus empregados a assinar, sob pena de supressão de benefícios e outras ameaças, e até demissão. A justificativa apresentada pelas empresas para tal absurdo, conforme consta em um dos exemplares de tal aditivo, este deveria ser feito justamente porque o SINTETI e o SINTERÔNIBUS não haviam chegado a um acordo sobre a nova convenção coletiva de trabalho e que, pasme, o aditivo contratual visa amparar o empregado.
- Desenvolvendo Tema.
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que as assinaturas obtidas pelas empresas nos aditivos contratuais já mencionados, se não foram apostas pelos trabalhadores de forma voluntária, mas, sim, sob pressão, ameaça e coação, resta inegável o vício de vontade na celebração de tais aditivos, o que os torna nulos de pleno direito.
Por outro lado, observa-se que a intenção das empresas nem de longe é amparar os seus empregados, mas, sim, seus próprios interesses, reduzindo seus custos e aumentando ainda mais as suas margens de lucro.
A ilegal e inconstitucional inclusão no aditivo da cláusula do banco de horas é uma das maiores provas disso, pois tal cláusula reduz imensamente os custos das empresas com horas extras, sem reduzir a quantidade de horas extras prestadas pelos trabalhadores, aumentando significativamente a margem de lucro das empresas.
Na mesma direção segue a supressão do vale refeição de pernoite e a mudança na data do pagamento dos salários, o que permite que as empresas fiquem mais alguns dias com o dinheiro dos salários dos empregados em suas aplicações financeiras, rendendo-lhe juros. Logo, reduzindo seus custos e aumentando seus lucros.
O mesmo se diga em relação à diminuição/fracionamento do intervalo único de 11 horas entre uma jornada e outra; na limitação do passe livre (que, aliás, deixa de ser livre); bem como no desnutrido reajuste de vinte e dois centavos no vale refeição e no magricela reajuste de dois reais e onze centavos na cesta básica, tudo isso sem falar no esquelético reajuste de salários de um vírgula sessenta e nove por cento, além de outras incoerências.
Contudo, o que fica evidenciado é a intenção das empresas em destruir a Convenção Coletiva de Trabalho que a categoria vem construindo há vários anos com luta, sacrifício e empenho dos trabalhadores. E assim elas o fazem porque encontram apoio na famigerada reforma trabalhista, a qual mais parece uma reforma escravagista, vez que se tal reforma tivesse dado mais alguns passos adiante, certamente iria restabelecer a escravidão no Brasil, pois falta muito pouco para institucionalizar novamente o chicote, os grilhões (corrente de metal, formada por anéis, em forma de cadeado), a senzala e o punhado de ração por dia para alimentar os cativos.
Porém, esse apoio que as empresas pensam ter na lei da deforma trabalhista é frágil e enganoso. Diz-se isto porque, nesta parte, essa lei é claramente inconstitucional.
Com efeito, a Lei nº 13.467/2017, lei da Deforma Trabalhista, alterou a redação do Parágrafo 3º do artigo 614 da CLT, proibindo a ultra-atividade das normas previstas nas convenções coletivas de trabalho. Diz o novo preceito que “não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade”.
A lei da reforma trabalhista levou em consideração antigas decisões do Supremo Tribunal Federal, que se apoiavam na antiga redação do Parágrafo 1º do artigo 142 da Emenda Constitucional de 1969, desconsiderando totalmente a superveniência do Parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, em vigor atualmente.
O dispositivo de 1969, na redação original, reconhecia o poder normativo da Justiça do Trabalho para “estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.
Na redação atual, aprovada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o preceito estabelece que, ajuizado o dissídio coletivo de natureza econômica, a Justiça do Trabalho decidirá o conflito, “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Desse modo, a nova redação da Constituição Federal do País garantiu a denominada ultra-atividade, que nada mais é do que a permanência ou incorporação das normas das convenções coletivas aos contratos individuais, conferindo, assim, à possibilidade de as cláusulas contidas nos instrumentos coletivos de trabalho, de natureza normativa, como as convenções, permaneçam produzindo efeitos nos contratos individuais de trabalho, ainda que decorrido seu prazo de vigência.
A Constituição Federal atualmente vigente, no Parágrafo 2º, do artigo 114, ao estabelecer que a Justiça do Trabalho, no dissídio coletivo de natureza econômica, decidirá o conflito, “respeitadas às disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”, consagrou, expressamente, o modelo da aderência das normas da convenção coletiva ao contrato individual de trabalho de cada empregado da categoria respectiva.
Logo, o novo Parágrafo 3º do artigo 614 da CLT, com a redação conferida pela Lei nº 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), pretendeu instituir o modelo da aderência limitada pelo prazo.
Ocorre que essa opção legislativa é flagrantemente inconstitucional, pois incide em ofensa direta e literal à disposição contida no Parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição Federal, como também viola direta e literalmente o conteúdo do art. 7º, caput, da citada Constituição Federal, que consagra, no âmbito trabalhista, o princípio da proibição do retrocesso social.
A norma constitucional em favor da ultra-atividade estimula o empregador à negociação coletiva, com o intuito de alcançar as mudanças que entender pertinentes no instrumento coletivo anterior. A falta de ultra-atividade, pretendida pela reforma trabalhista, ao contrário, incentiva a inércia do empregador, que alcançará, ao término da vigência, o fim de todas as normas pactuadas anteriormente. Por isso que, também nessa parte, a lei da reforma trabalhista é inconstitucional.
Além disso, a norma constitucional do caput do artigo 7º, que proíbe o retrocesso social em relação aos direitos dos trabalhadores, determina o constante aperfeiçoamento das relações de trabalho, por meio da expansão progressiva de direitos e garantias. Isso está bem evidenciado no citado artigo 7º, caput, da Constituição Federal, ao enunciar os direitos fundamentais dos trabalhadores, “sem prejuízo de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
Logo, as disposições do Parágrafo 2º do artigo 114 e do caput do art. 7º, da Constituição Federal, por certo, não impõem a imutabilidade das normas coletivas. Ambos os preceitos admitem que, circunstancialmente, em situações excepcionais e a título provisório, pode haver adequação das condições de trabalho, mas desde que respeitados os limites impostos pela ordem jurídica.
Um desses limites é a ultra-atividade por revogação das normas coletivas, extraída de forma direta e imediata da normatização constitucional. Essa normatização, além de atender à lógica da preservação dos direitos que visam à melhoria das condições sociais dos trabalhadores, ajuda a produzir o equilíbrio de forças na negociação coletiva, visando manter a igualdade de armas dos sujeitos coletivos (sindicato patronal e sindicato laboral).
Como se sabe, as normas constitucionais servem para dar sentido e alcance as regras legais abaixo da Constituição. Assim, não pode o aplicador da lei (juiz), em razão de suas preferências pessoais, desconsiderar, deixar de lado ou pular uma regra constitucional. Mas, sim, tem o dever de aferir a compatibilidade das leis (reforma trabalhista) com a Constituição Federal, afastando qualquer lei que não respeite as regra da Constituição Federal.
Portanto, a regra do Parágrafo 3º do artigo 614 da CLT, ao pretender vedar genericamente a ultra-atividade das normas das convenções coletivas, é manifestamente incompatível com o ordenamento constitucional, por incorrer em ofensa direta e literal ao Parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição Federal, que garante o respeito às disposições mínimas convencionadas anteriormente, e ao caput do artigo 7º da Constituição Federal, que consagra no âmbito trabalhista o princípio da proibição do retrocesso social relativamente aos direitos dos trabalhadores.
- CONCLUSÃO.
Resta, pois, inegável a tese de que a regra do Parágrafo 3º do artigo 614 da CLT, com a redação da Lei nº 13.647/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), na parte em que pretende proibir a ultra-atividade por revogação das normas coletivas, é inconstitucional, por violar o Parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição Federal, que garante o respeito às disposições mínimas convencionadas anteriormente, e o caput do artigo 7º da mesma Constituição Federal, que consagra no âmbito trabalhista o princípio da vedação do retrocesso social.
Tem-se, então, que o fim do período de vigência da Convenção Coletiva de Trabalho dos Rodoviários Intermunicipais e Interestaduais do Ceará, não significa que as cláusulas, direitos, condições e quaisquer vantagens, assim como obrigações e deveres não devam mais ser cumpridos, vez que em razão da ultra-atividade garantida pela Constituição Federal, elas valem por tempo indeterminado, até que outra convenção sobrevenha e a modifique.
Logo, todos os direitos previstos na Convenção Coletiva ainda continuam válidos, como, por exemplo: o do Pagamento dos Salários até o 3º dia útil, da Jornada de 44 horas Semanais sem banco de horas, do Passe Livre para todos, do Plano de Saúde, do Vale Alimentação, inclusive o de Pernoite, etc.
Eis o parecer, salvo melhor juízo.
Carlos Eudenes Gomes da Frota
Assessor Jurídico do SINTETI
OAB/CE 10.341 David Amerson Womens Jersey
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